sábado, fevereiro 23, 2008

Fidel Castro e o Socialismo de ocasião

Durante esta semana que passou, o fato mais marcante foi a publicação da carta escrita por Fidel Castro - que você pode ler no post abaixo – na qual o eterno guerrilheiro revolucionário afirma estar fora da disputa pelo comando da ilha. A retirada de Fidel é o marco final de sua guerra pessoal contra os Estados Unidos, quando depois de resistir a todo tipo de atentados contra sua vida (fala-se em 33, muitos dos quais, confessadamente, praticados a mando da CIA), o famoso embargo criado pelo presidente Dwight Eisenhower, e intensificado por John Kennedy, a queda do Muro de Berlim, ao desmoronamento da URSS, impõe finalmente, uma dura derrota à mais poderosa nação da história contemporânea. Fidel só não conseguiu resistir a um inimigo ainda mais poderoso: o tempo!

Bom, como se pode ver pelo parágrafo anterior, falar de Fidel e sua Revolução, sem mencionar os Estados Unidos é tarefa quase impossível, principalmente, porque os norte-americanos foram os principais responsáveis, não só pela revolução ter ocorrido, como principalmente, por ter assumido, ainda que tardiamente, caráter socialista. A meu ver, Fidel, ao contrário de Che Guevara e seu irmão Raúl, não era verdadeiramente socialista, o Socialismo foi o único caminho possível de ser trilhado pelo povo cubano, quando, liderados por Fidel, se deram conta de que os americanos lhe eram totalmente hostis. Note que a revolução cubana somente se assumiu socialista, após os diversos atos praticados pelos Estados Unidos, com os quais restou demonstrado que a única super potência ocidental não lhe daria trégua, sobrando-lhes como alternativa, cair nos braços dos soviéticos, que adoraram a idéia de poder contar com um aliado tão próximo de seu principal inimigo.

Sobre a Revolução Cubana, um esclarecimento de suma importância precisa ser feito: ao longo dos anos, Fidel foi sempre muito criticado em razão da falta de liberdade de imprensa, de liberdades individuais ou de perseguições políticas, porém ao tratarmos deste tema, novamente, é preciso trazer ao debate o nome "Estados Unidos da América". Não se pode esquecer que Cuba, após a revolução de 1959, sempre viveu em constante estado de alerta, diante da sempre presente ameaça de um ataque. Acredito inclusive, que este, dentre outros obviamente, foi o motivo que levou Marx e mais tarde, Trótsky, a defender a idéia de que o comunismo somente poderia ser atingido de forma global, ou seja, com todos os países do mundo seguindo no mesmo sentido - em detrimento da concepção defendida por Stalin, que era o famoso “socialismo em um só país”, concepão esta que seria uma forma de garantir uma coexistência pacífica com as potências ocidentais. Digo isto pois, qualquer país para se tornar socialista deve se colocar contra os interesses das grandes potências, gerando um eterno estado de alerta, diante de uma possível reação contrária, a qual poderia ocasionar até mesmo, a invasão de seu território. Cuba, especificamente, soube o que é enfrentar esta ameaça pairando no ar o tempo inteiro, uma vez que desde a derrocada de Fulgêncio Batista foi pressionada, não só psicologicamente, como fisicamente por seu vizinho, a invasão da Baía dos Porcos nos serve de ilustração. Isto é, sempre ficou aquele clima pesado, diante da possibilidade de uma nova e mais devastadora invasão americana, que se algum dia ocorresse de forma efetiva, poderia pôr fim rapidamente ao projeto de reconstrução do pequeno país. Assim, se muita coisa feita em Cuba, ainda não se justifica, as diversas execuções de opositores, por exemplo, ao menos se explica.

Por isso, eu pegunto: como se admitir oposição, se esta pode se aliar a um inimigo tão poderoso?

Apesar disso, tenho comigo que Fidel Castro (sem sombra de dúvidas, o principal nome político do pós-guerra), certamente, nunca quis ser inimigo dos EUA, não só pela força política militar econômica deste país, mas especialmente pela proximidade entre ambos. Assim, diante de seu atual estado de saúde que deve obrigá-lo a dialogar diariamente com a Morte, ele enxerga na provável vitória de um candidato democrata nas próximas eleições americanas, a chance de fazer com que seu país possa ter o embargo aliviado, sem precisar abrir mão de sua revolução, abrindo espaço para líderes mais jovens e menos rejeitados pelos EUA, para que estes possam manter alguns resquícios do regime instaurado em Cuba após a derrubada do pró-americano Batista. Sua saída, deverá ser benéfica ao país que, apesar de ostentar índices sociais invejáveis, sofre com um desabastecimento crônico, aliviado nos últimos anos pelas mãos de Hugo Chávez.

Outra hora, volto a tocar no assunto.

O vídeo lá de cima é a primeira parte de um documentário produzido por Oliver Stone, sobre Fidel Castro, no total são 12 partes que você poder encontrar, facilmente, no You Tube.

Fidel na íntegra

Neste post trago a carta na qual Fidel Castro informa que não será candidato nas eleições do dia 24 de fevereiro de 2008.


Queridos compatriotas. Prometi a vocês em 15 de fevereiro que minha próxima reflexão abordaria um tema que interessa a muitos compatriotas. Mas, desta vez, ela toma a forma de uma mensagem. Chegou o momento de propor uma nova eleição para o Conselho de Estado e para os postos de presidente, vice-presidente e secretário.

Desempenhei por muitos anos o honroso cargo de presidente. Em 15 de fevereiro de 1976, a Constituição socialista foi aprovada por mais de 95% dos cidadãos com direito a voto, em uma votação livre, direta e secreta. A primeira Assembléia Nacional foi constituída em 2 de dezembro daquele ano e elegeu um Conselho de Estado e o presidente deste. Anteriormente, eu havia exercido por quase 18 anos o posto de primeiro-ministro. Sempre dispus das prerrogativas necessárias a levar adiante a obra revolucionária, com o apoio da imensa maioria do povo.

Informados de meu estado crítico de saúde, muitos observadores no exterior acreditavam que minha renúncia provisória ao cargo de presidente do Conselho de Estado, em 31 de julho de 2006, com a transferência do posto ao primeiro vice-presidente do Conselho, Raúl Castro Ruz, fosse definitiva. O próprio Raúl, que ocupa também o posto de ministro das Forças Armadas Revolucionárias, por mérito próprio, e os demais companheiros na direção do partido e do Estado relutaram em me considerar afastado dos meus postos, apesar do estado precário de minha saúde.

Minha posição era incômoda, diante de um adversário que fez tudo de imaginável para se livrar de mim, e eu de maneira nenhuma gostaria de satisfazê-lo. Posteriormente, consegui recuperar de forma completa o domínio de minha mente, a possibilidade de ler e meditar muito, por força do repouso compulsório. Restavam-me forças físicas suficientes para escrever por muitas horas, atividade à qual dedicava o tempo que me sobrava depois dos programas de reabilitação e recuperação física. O senso comum mais elementar indicava que essa era uma atividade que estava ao meu alcance. Por outro lado, preocupei-me sempre, ao falar de minha saúde, em evitar ilusões que, em caso de um desfecho adverso, representariam notícias traumáticas para nosso povo em meio à sua luta. Prepará-lo para minha ausência, psicológica e politicamente, era minha primeira obrigação, depois de tantos anos de luta.

Nunca deixei de indicar que se tratava de uma recuperação "não isenta de riscos". Meu desejo foi sempre o de cumprir o dever até o último alento. E é isso o que posso oferecer.

A meus afetuosos compatriotas, que me fizeram a imensa honra de me eleger recentemente para o Parlamento, no seio do qual devem ser adotados acordos importantes para o destino de nossa revolução, comunico que não aspirarei nem aceitarei -repito- não aspirarei nem aceitarei o posto de presidente do Conselho de Estado e comandante-em-chefe das Forças Armadas.

Em breves cartas endereçadas a Randy Alonso, diretor do programa "Mesa Redonda", da Televisión Nacional, cujo conteúdo foi divulgado a meu pedido, já estavam presentes, de maneira discreta, elementos desta mensagem que agora escrevo, mas nem mesmo o destinatário das missivas estava informado sobre o meu propósito. Eu tinha confiança em Randy, porque o conheci bem quando era estudante universitário de jornalismo, em um período no qual me reunia quase todas as semanas com os principais representantes dos estudantes universitários das Províncias, na ampla biblioteca da casa onde estavam alojados, em Kohly. Hoje, o país inteiro é uma imensa universidade.

Parágrafos selecionados da carta enviada a Randy em 17 de dezembro de 2007: "Minha mais profunda convicção é que as respostas aos problemas educacionais da sociedade cubana, cujo nível médio de educação hoje equivale ao 12º grau, com quase 1 milhão de diplomados universitários e possibilidade real de estudo para os cidadãos, sem discriminação alguma, requerem mais variantes de resposta para cada problema concreto do que aquelas que um tabuleiro de xadrez oferece. Não se pode ignorar nem mesmo um detalhe, e não se trata de um caminho fácil, se desejamos que a inteligência do ser humano na sociedade revolucionária prevaleça sobre os seus instintos."

"Meu dever fundamental não é me aferrar a cargos e muito menos obstruir a ascensão de pessoas mais jovens, e sim contribuir com experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional em que me coube viver." "Penso como Niemeyer, que é preciso ser conseqüente até o final."

Carta de 8 de janeiro de 2008: "... Sou partidário decidido do voto unificado (um princípio que preserva o mérito ignorado). Foi ele que nos permitiu evitar a tendência a copiar aquilo que vinha dos países do antigo campo socialista, entre os quais o retrato de um candidato único, tão solitário quanto solidário com relação a Cuba. Respeito muito aquela primeira tentativa de construir o socialismo, graças à qual pudemos continuar no caminho que escolhemos."

"Tenho muito claro", eu reiterava naquela carta, "que toda glória do mundo cabe em um grão de milho." Portanto, seria uma traição à minha consciência ocupar uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total, caso eu não esteja em condições físicas de exercê-la. E eu o digo sem qualquer intuito dramático.

Felizmente nosso processo conta ainda com os quadros da velha guarda, bem como com outros que eram muito jovens quando se iniciou a primeira etapa da revolução. Alguns se incorporaram quase meninos aos nossos combates nas montanhas e, mais tarde, com seu heroísmo e suas missões internacionais, conquistaram glória imensa para o país. Eles contam com autoridade e experiência para garantir uma boa substituição. Nosso processo dispõe igualmente da geração intermediária, que aprendeu conosco os elementos da complexa e quase inacessível arte de organizar e dirigir uma revolução.

O caminho será sempre difícil e exigirá o esforço inteligente de todos. Desconfio dos caminhos aparentemente fáceis, da apologia aberta ou da sua antítese, a autoflagelação. É preciso estarmos sempre preparados para a pior hipótese. E manter a prudência no sucesso e a firmeza na adversidade é um princípio do qual não nos devemos esquecer. O adversário a derrotar é muito forte, mas nos mantivemos em campo durante meio século.

Não me despeço de vocês. Desejo combater apenas como soldado das idéias. Continuarei escrevendo sob o título "Reflexões do companheiro Fidel". Será uma arma a mais com que poderemos contar em nosso arsenal. Talvez minha voz seja escutada. Serei cuidadoso.

Obrigado
Fidel Castro Ruz
18 de fevereiro de 2008 17h30

domingo, fevereiro 10, 2008

"Cala a boca, Reinaldo!"



Algum tempo atrás, escrevi um post sobre o lamento de Reinaldo Azevedo, por sentir falta do “homem branco” na disputa pela vaga de candidato à presidência do EUA no lado Democrata. Àquela altura, o vejeiro estava numa cruzada épica contra a candidatura de Barak Obama, chegando inclusive, a criar um sugestivo apelido para o democrata: Babaca Osama. Tudo isso pra quê? A meu ver, para agradar o grupo que detém parte do poder na Abril, que foi, nada mais nada menos, um dos porta-vozes do apartheid, na África do Sul. Nos comentários, o meu colega blogueiro Dorian - que tem clara afinidade ideológica, com o sujeito em questão, mas que provavelmente, não é um de seus bolivianos, pois é inteligente demais pra isso - fez uma excelente lembrança. Disse ele, que a Veja daquela semana desmontava minha tese, por veicular uma reportagem muito elogiosa ao democrata. De certa forma o Dorian está certo, a Veja foi bem simpática a Obama, porém, ao invés de desmontar minha tese, a confirma.

Reinaldo Azevedo, atua como o cão de guarda da Veja, creio que sua contratação tenha sido exatamente pra defender a revista e a editora Abril em si, se utilizando dos argumentos que nem o Diogo Mainardi tem coragem de lançar mão. Nessa cruzada contra o candidato norte-americano, certamente, ele se lançou sem pedir autorização aos chefes, seu objetivo era ganhar moral com a diretoria, no entanto, qual não deve ter sido sua surpresa, quando em vez de ganhar um osso a mais, levou um “passa!, vá prá casinha!” – Isso até me lembrou esse vídeo do Daniel Godri que eu assisti numa palestra motivacional do sindicato no qual trabalho.

Após a publicação da reportagem pela Veja e implicitamente, levar um cala a boca inesquecível, Reinaldo ficou tão chateado, que pra aplacar um pouco sua decepção, publicou o e-mail do chefe, Mário Sabino, no qual o ego quilométrico do blogueiro é massageado, do jeito que ele gosta.

Depois da reportagem, eu fiquei aguardando para ver se ele teria cara de pau suficiente para não mais tocar no assunto, afinal, tudo que ele publicou, foi o indicativo de um caminho sem volta, sem volta para quem tem vergonha na cara, o que parece não ser uma qualidade do velho Tio. Com tudo aquilo que se encontra naquele blog, ele não poderia simplesmente ignorar o assunto dali em diante…e agora a surpresa foi minha - o “independente” blogueiro da Veja nunca mais tocou no assunto com aquela ferocidade toda de outrora. Não deu mais um latido sequer contra Obama, se limitando a tratar das prévias norte-americanas, reproduzindo textos de outros veículos de comunicação.

Diante disso, fico imaginando como estão se sentindo seus bolivianos. Devem ter se sentido traídos, já que seu guia intelectual, de independente não tem nada, não passando de mais um empregado entre tantos outros que a Abril assalaria. Ou, se não estiveram com este sentimento, vão confirmar a minha impressão sobre eles: são uma claque!

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Fidel é um dos responsáveis por Chávez estar no Poder

O texto abaixo foi publicado no Jornal espanhol "El País", tendo sido republicado traduzido para o portuguuês pelo UOL, como o link é fechado para não assinantes, trago-o completo neste post, aproveite pois pode ser que ele venha a ser retirado dentro de algumas horas.

Apenas um dia antes que regimentos leais e a população irada lhe devolvessem o comando, Hugo Chávez permanecia entrincheirado no Palácio de Miraflores em Caracas, a sede do governo venezuelano. Era um homem profundamente abatido, disposto ao suicídio, convencido de que o golpe cívico-militar de 11 de abril de 2002 contra sua presidência havia triunfado. "Não se mate!", lhe pediu Fidel Castro por telefone na madrugada do dia 12. Alarmado com o estado emocional de seu amigo e aliado, o líder cubano pediu ajuda ao primeiro-ministro espanhol José María Aznar (que governou de 1996 a 2004) para salvar sua vida e lhe conceder asilo na Espanha, segundo afirma em suas memórias sobre aquela crise o bispo Baltasar Porras, ex-presidente da Conferência Episcopal Venezuelana (CEV).

"Nos inteiramos de que, através da embaixada da Espanha, houve um pedido do próprio Fidel Castro ao chefe do governo espanhol, José María Aznar, para que Chávez fosse recebido na Espanha, pois o presidente cubano manifestava não querer recebê-lo em seu país", escreve Porras, cuja companhia pessoal Chávez solicitou antes de se entregar aos generais que o acabaram derrubando depois de uma jornada de duros confrontos civis na capital. Então, a oposição e a Igreja Católica estavam fartas do ex-tenente-coronel de pára-quedistas. "A intransigência, a desqualificação, o insulto e a ameaça tornam impossível o diálogo", salientou a Exortação Pastoral de janeiro de 2002.

Durante a madrugada da sexta-feira, 12 de abril, pouco depois de falar com Castro, Chávez telefonou para Porras para lhe comunicar uma renúncia que, por ser equívoca e condicionada, causou confusão geral. O ex-tenente-coronel de pára-quedistas cumprimentou o bispo e lhe pediu a bênção: "Perdoe-me todas as barbaridades que disse sobre o senhor. Telefono para lhe perguntar se está disposto a resguardar minha vida e a dos que estão comigo em Miraflores". Em seguida admitiu sua derrota: "Decidi abandonar o poder. Alguns estão de acordo e outros não. Mas é minha decisão. Não quero que haja mais derramamento de sangue, mas aqui no palácio estamos suficientemente armados para nos defender de qualquer ataque. Mas não quero chegar a isso".

Apesar do alarde, a potência de fogo de seu pessoal era mínima: entre 200 e 300 homens, ministros, quadros bolivarianos e a guarda de honra, com um pequeno arsenal, acompanhavam Chávez no palácio. Nada sabiam os sitiados sobre a divisão blindada nem sobre o regimento de pára-quedistas de Maracay que no dia 13 ameaçaram irromper a sangue e fogo pelas ruas de Caracas se Chávez não fosse restituído. Essas unidades determinaram o fracasso daquele singular levante cívico-militar. Chávez retomou a presidência no dia 14, pouco depois de o presidente de fato, o empresário Pedro Carmona, perder o apoio dos militares antichavistas e de boa parte da oposição, por ter anulado por decreto as instituições democráticas da Venezuela.

Nas vésperas de seu retorno ao poder, Hugo Chávez encontrava-se desorientado, perdido. "O que eu quero é sair do país, se garantirem a vida dos que estão comigo. Peço ao senhor que me acompanhe até a escada do avião ou mesmo me acompanhe [ao exterior] se for o caso", solicitou Chávez ao bispo. O presidente da CEV pediu permissão à chefia golpista para ir a Miraflores. Não a obteve porque, segundo afirma o prelado em suas memórias, temeram que fosse tomado como refém. Fidel Castro, enquanto isso, afirmava a Chávez: "Não se demita! Não renuncie!", pediu, segundo explica no livro "Cien Horas con Fidel" o jornalista Ignacio Ramonet.

Castro almoçava no dia da crise com o "lehendakari" (presidente autônomo basco) Juan José Ibarretxe, à frente de uma delegação oficial em visita à ilha caribenha. O Comandante observava diferenças fundamentais entre o problema de Chávez e o sofrido pelo presidente chileno Salvador Allende, derrubado em 11 de setembro de 1973. Morreu combatendo no Palácio de la Moneda contra as forças de assalto do general Augusto Pinochet. "Allende não tinha um só soldado. Chávez contava com uma grande parte dos soldados e oficiais do exército, especialmente os mais jovens." Mas a partida parecia estar perdida para Chávez. Castro efetuou então gestões diante da Espanha e outros países, "para conseguir que pudesse sair da Venezuela porque a situação era muito delicada. Temíamos que o matassem ou que todos [Chávez e os 200 ou 300 leais] se imolassem em Miraflores", indicam fontes oficiais cubanas.

O diplomata Jesús Gracia, embaixador da Espanha em Cuba (2001-2004) durante o segundo mandato de José María Aznar, confirma as frenéticas gestões cubanas para salvar Chávez. "Nessa noite [do dia 12] chamaram um grupo de embaixadores ao Palácio da Revolução. Éramos entre 15 e 20. Estava o brasileiro, não tenho certeza se o mexicano também, e vários europeus." O ministro das Relações Exteriores, Felipe Pérez Roque, recebeu os diplomatas. "Disse-nos que o assunto era muito urgente, que Fidel Castro estava no palácio, mas à frente de uma operação para ajudar Chávez, e que ele falava em seu nome." O chanceler salientou a gravidade da situação na Venezuela "e nos comunicou que Chávez estava à beira da morte ou do suicídio. Não sabiam como poderia reagir. Queriam proteger sua vida".

Pérez Roque perguntou quantos embaixadores estavam dispostos a viajar à Venezuela com ele e outros funcionários com a missão de tirar Chávez. Fariam isso em um avião da força aérea cubana, já preparado para decolar. A missão do grupo internacional seria salvaguardar vidas e compromissos. "Chamei Madri porque com a mudança de hora já podiam me atender e [no Ministério das Relações Exteriores] me disseram que iam pensar como poderíamos ajudar", acrescentou o ex-embaixador em Havana. Paralelamente, o diretor da Europa da chancelaria cubana se aproximou dele num aparte para pedir a ajuda da Espanha porque manifestantes extremistas da oposição cercavam a embaixada de Cuba em Caracas e temia-se uma invasão da representantes de governos estrangeiros e choques armados.

"Também liguei para Madri e me disseram que iriam ver de que maneira se poderia ajudar a solucionar o problema. Jesús Gracia ligou novamente para Felipe Pérez Roque para lhe dizer que estávamos pensando o que poderíamos fazer para ajudar, tanto no assunto da viagem como no outro tipo de ajuda humanitária." Por volta das 4 ou 5 da madrugada daquele dia, o embaixador espanhol recebeu outra ligação oficial cubana para agradecer suas gestões e lhe comunicar que tudo ficava cancelado porque a situação entrava em vias de solução e se havia levantado o cerco à embaixada cubana. "O objetivo até esse momento era tirar Chávez da Venezuela. Não me pediram para levá-lo à Espanha, é certo que não, mas sim para ajudá-lo a sair do país."

Finalmente, no mesmo dia 12 Hugo Chávez entregou-se aos generais de oposição, que lhe apresentaram para assinar um papel escrito com sua renúncia. Baltasar Porras foi recebê-lo em Fuerte Tiuna, sede do Comando Geral do Exército. "Pelo diálogo que mantinham os negociadores, era claro que a condição que o presidente havia expressado era que assinaria a renúncia se fosse trasladado diretamente para Maiquetía [o aeroporto internacional de Caracas] para sair do país", indica o bispo em suas memórias. "Informaram ao presidente que eu estava ali para garantir sua vida, como havia solicitado, mas que não podia impor condições."

Porras notou no semblante de Chávez as marcas do traumático episódio em curso: o cansaço, as expectativas, os estragos da incerteza. "Era um homem entregue à sorte de seus captores." Quando ficou a sós com o bispo e o secretário da CEV, monsenhor José Luis Azuaje, Chávez evocou sua infância, sua juventude, a escola militar, seu destino castrense, seus filhos. Às vezes seu ânimo se quebrava e subiam as lágrimas, que o prisioneiro procurava conter. A conversa foi longa, intensa, até o reaparecimento dos generais com uma decisão: não permitiriam que saísse do país.

Hugo Chávez protestou, segundo o relato de Porras, testemunha daquele momento. Os generais haviam mudado as regras do jogo, de acordo com o mandatário, que se declarou desde então prisioneiro político. "Terão preso um presidente eleito popularmente. Mas não vou discutir isso. Façam comigo o que quiserem", disse. Tudo foi feito para transferi-lo sob custódia para a ilha La Orchilla. Os últimos a despedir-se foram os dois bispos. Chávez estava emocionalmente quebrado. "Uma lágrima brotou em seus olhos e ele disse: "Transmitam a todos os bispos que rezem por mim e lhes peço perdão por não ter encontrado o melhor caminho para um bom relacionamento com a Igreja. Dêem-me sua bênção". Sem mais, subiu num veículo e desapareceu da vista dos dois prelados. Eram 6h30 de 12 de abril.

O dia seguinte foi decisivo: o decreto anticonstitucional de Carmona afastou os setores moderados do levante, mobilizou os pára-quedistas do general Isaías Baduel e ativou as manifestações oficialistas. Este jornalista viveu no Palácio de Miraflores as horas anteriores ao regresso triunfal de Chávez.

Soldados leais, policiais e auxiliares se abraçavam nos salões da recuperada sede de governo quando se anunciou a libertação do líder. "Se não nos devolvessem a coisa ia ficar muito feia", advertia minutos antes o servidor de uma metralhadora pesada. Aquelas 48 horas foram feias, amargas, reveladoras de uma polarização social ainda vigente na Venezuela.

As más relações de Chávez com a Igreja
As relações de Hugo Chávez com a Igreja Católica foram tortuosas, ruins, porque uma das características do regime de Chávez, segundo monsenhor Baltasar Porras, é a aceleração do confronto. "O conflito é preciso criá-lo, provocá-lo, atiçá-lo permanentemente", salienta em "Memórias de um Bispo: os Primeiros Meses de 2002"

"Dessa maneira as pessoas não têm tempo de pensar, só de reagir emocionalmente diante de cada novo cenário. Assim, pois, a brecha continua e se favorece a polarização." A animosidade de Chávez para com o ex-presidente da CEV não surpreende, porque Porras não tem papas na língua: "A atitude de confronto e desqualificação por parte do governo não se limitou à Igreja. Todos os setores que expressaram alguma opinião divergente foram chamados de opositores".

"É importante fazer notar isto", acrescenta o bispo venezuelano, "porque se amolda ao esquema autoritário, especialmente de tipo marxista." Porras, em seu inventário de críticas ao governo, salientou em 2002 que em vez de diminuir a pobreza da maioria na Venezuela aumentou a corrupção dos que tinham acesso ao dinheiro fácil, e a moral do interesse situa-se acima do bem comum.

O prelado nega que a Igreja Católica conspirasse contra o governo, como acusaram porta-vozes do oficialismo: "Nunca fomos convidados, nem teríamos aceitado, estar presentes em reuniões de caráter com finalidade conspirativa". A narrativa da crise de abril de 2002, acrescenta, é um capítulo de suas memórias. "Tenho o costume de tomar nota de todos os acontecimentos de que me cabe participar." Os fatos de então foram históricos e ainda não cicatrizaram.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Aqui tem o link para assinantes.

sábado, fevereiro 02, 2008

Quero ver meu advogado

O advogado e a grana

Esta semana, no sindicato em que trabalho, um do trabalhadores que iriam homologar sua rescisão de contrato de trabalho, foi acompanhado por um advogado que eu já conhecera ainda nos tempos de faculdade quando me dirigia ao Juizado Especial Criminal para acompanhar uma audiência pelo Núcelo de Prática Jurídica da PUCPR. O conheci num lugar incomum para se fazer amizades, incomum ao menos para quem mora na região de Curitiba - no ônibus. A julgar pela simpatia incomum para um advogado e, principalmente por seu sotaque, creio ser ele baiano. Bom, a questão é que na época em que eu o conhecera, ele me entregou um texto muito engraçado, que eu havia perdido, comentei com ele, e ganhei outro novo em folha. O texto é muito bom, por isso irei reproduzi-lo aqui. É meio longo, mas vale a pena ler até o final:

"A convite e estudantes veteranos e professores da Unifoz (Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu), no início de 1997 ministrei a primeira aula para turma de 40 calouros da escola. Era minha estréia professoral, e me empolguei, cogitando de deixar à posteridade algo como a monumental Oração aos Moços, de Rui Barbosa - mas, sem talento para tanto, resolvi improvisar. Envergando terno preto e sobraçando dois volumosos alfarrábios entrei resoluto na sala, às 19h40, de óculos escuros. Uma diligente secretária me apresentou como professor substituto; meio tenso, bradei: 'Olá, colegas!', e comecei a memorável noitada estudantil:

'Não vou fazer como os demais professores, que vão enchê-los de falsas esperanças. Se vocês têm certeza de que querem mesmo cursar Direito cumpre-me alertá-los, com conhecimento de causa, que há advogados às pencas faiscando pela comarca, e vários deles se debatem na dificuldade. É certo que muitos aqui vão enfrentar sérios problemas financeiros e acabarão se submetendo a trabalhos comuns, de garçom, balconista, manicure, cobrador, e até ajudante de pedreiro. Dos fóruns à porta das cadeias, a concorrência é selvagem.'

'Diante dessa realidade, ponham as barbas de molho. Contudo, evitem pré-julgamentos, pois 'Quem vê cara, não vê coração: tem gente de cara feia com um coração horroroso', diz Millôr Fernandez; já o inspiradíssimo e sagaz Nelson Rodrigues observava que 'Nem todas as mulheres gostam de apanhar...só as normais.'

Fiz pausa e notei que a turma toda, incrédula, olhava atentamente para mim. Percebendo que ia bem, prossegui, coloquial e fleumático: 'Para evitar aflições futuras, comece logo a se conscientizar de que o primeiro dever do advogado é com a grana. De uma causa que vale dez mil reais, cobre o dobro, e peça, no mínimo, a metade adiantado. Depois aja. Se der para quebrar o galho do suplicante, parabéns!, você estar unindo o útil ao agradável, embora a satisfação dele não seja exatamente o busílis¹. Repito, advogado vivo deve ter seus honorários como prioridade absoluta. Isto é, aquele que quer prosperar. Não há outra forma de vencer na advocacia.'

Embalado, complementei: 'Vocês conhecem advogado ishperrrto e rico; advogado honesto, porém pobre. No entanto, nenhum que seja honesto e abonado. E como sabemos que mais vale um rico ladrão do que um pobre honesto, retenham o máximo possível dos clientes. Senão, jamais terão carrões, escritório luxuoso, secretárias fogosas ou office-boys malhados, nem poderão curtir férias na Europa. Afinal de contas, quem não rouba e nem herda, enrica é merda'.

De repente, uma caloura não se conteve e me inquiriu:

'- O professor está querendo dizer que um advogado não pode ser, ao mesmo tempo, honesto e rico?!

- Pode, como exceção que confirma a regra, embora nesse particular eu não conheça nenhum caso. Entretanto, vibro ao notar que uma aluna se preocupou com honestidade nesta sala. Disso depreendo que a imensa maioria aqui é de ishperrrtos...o que me dá a certeza de que teremos uma fornada de advogados progressistas!'

Olhei atravessado para ela e emendei, impiedoso:

'- Exceto você, pureza, que não vai triunfar na profissão!'
Entre estuporados e sorridentes, motivados e já incrédulos, os neo-acadêmicos estavam profundamente perturbados, e embevecidos de tal modo que acompanhavam mecanicamente, olhos vidrados, minha evoluções no estrado [e eu, soberano, ia de uma ponta a outra do enorme quadro-negro]. Com domínimo da situação, continuei destilando formidável doutrina que os encabulava.

'Aqui mesmo em Foz conheço um colega honestíssimo. Coitado, perambula pela Avenida Brasil de paletó surrado à vez arrastando sandália japonesa, 'filando' cafezinho de uns, emprestando cigarro de outros, catando jornais de cortesia...Como nunca se preocupou com números, acaba de ser despejado do Nagibão²: há meses não conseguia sequer pagar o aluguel da saleta que ocupava ali.'

E para estimulá-los ainda mais fiz uma observação picante:

'Convidado a vir aqui dar aula para vocês, gelei. Sei que estou lidando com cobras. Todavia, como diz Mike Tyson: 'Não tenho medo de ficar numa sala com serpentes...até que apaguem a luz'. Além disso, ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração'.

Discorri sobre a efemeridade da vida, as fases da putrefação nos cadáveres humanos, a influência da empregada doméstica na explosão demográfica, a fragilidade dos cachimbros de barro, a masturbação sociológica do governo FHC e a indefinição sexual do anjos.

Falei da premência de o profissional se capitalizar com rapidez, dadas a insignificância dos despossuídos e a celeridade do tempo.

'O Direito não socorre aos que cochilam', aduzi, recorrendo à sentença clássica: 'Caia matando para faturar adoidado', preguei.

Fui da hegemonia de pleura à bauxita refratária, brincando. 'Um grande advogado precisa de um mínimo de conhecimento jurídico, como ensinava o repentista Zé Limeira: 'Jesus Cristo foi um homem/Que sempre gostou da Justiça/Com 12 anos de idade/ Discutiu com a dotoriça/E trinta anos depois/Sentou praça na puliça'.

Avisei que o professor titular estava para chegar, e repiquei:
'Nunca vacile: pegue muito dos clientes. Prefira sempre moeda sonante, mas não se constranja em abraçar cheque pré-datado, nota promissória, bens móveis e imóveis, jóias, gado..."

'E para que vocês alcancem todos os seus objetivos, principalmente no que se refere à sagrada bufunfa, que é a coisa mais importante da advocatura, vamos rezar o Pai Nosso', exortei.

Os estudantes, em uníssono, declamaram a bela oração. Alguns, contritos, abriram os braços largamente, mãos espalmadas para o alto.

Foi aquele contraponto espetacular, fervoroso, reconfortante. Ali alcancei o pico da credibilidade - e onde avancei, triunfal:

'Agora que já dei o tom da coisa, deixemos a filosofia e vamos à parte técnica para encerrar a aula', propus. 'Que alguém leia a página 58 deste livro', solicitei, exibindo antigo volume de Geriatria.

Voluntariosa, aquela caloura 'honesta' se dispôs. Tomou-me o encardido calhamaço e o folheou até o capítulo que eu havia escolhido a capricho. Observei um leve tremor na sua voz ao começar a leitura do texto: 'A incontinência urinária na velhice'...

...mas, como se querendo provar a superação da 'mancada' inicial, ela demonstrou intrepidez e, visivelmente empolgada, leu com timbre cristalino as breves explicações sobre a 'flacidez das partes pudendas', o 'paulatino relaxamento dos esfíncteres' a partir da meia-idade, e 'a flatulência nos idosos'. Foi, de fato, ma-ra-vi-lho-so.

'- Por fim, recomendo que comprem, e analisem detidamente, o livro síntese dos direitos difusos, Annus Beborum Condominium Est³, que custa a bagatela de 200 paus - sugeri, de leve.

Para meu espanto, o interesse foi impressionante. Diversos alunos pediram que eu escrevesse no quadro o título da obra, o que fiz imediatamente, em maiúsculas garrafais, com muito gosto.

'- E a tradução, professor?' - perguntaram-me, ansiosos, enquanto anotavam, letra por letra, em seus cadernos.

'- Na próxima aula!' - respondi, satisfeito, e lhes dei 'boa-noite!'


Notas


1 -
O ponto principal de uma dificuldade, de um problema;

2 -
Também chamado treme-treme, famoso prédio de salas e quitinetes no centro de Foz do Iguaçu;

3 -
Só os iniciados em 'latim de conveniência' sabem que a imaginária peça pode ser traduzida por: '(*) de bêbado não tem dono'. O que aliás, foi esclarecido dias depois, quando escrevi sobre a aula-trote no jornal do Centro Acadêmico, do qua eu era diretor de Comunicação.'"

Ralph Moreira
Advogado atuante em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba.